O ESPÍRITO DE NATAL
E SEU IMPACTO NA SAÚDE FÍSICA, MENTAL E EMOCIONAL
Vivemos tempos controversos, presos numa realidade de opostos, que vai da beleza artificial de um algoritmo à realidade das fotos de documentos oficiais. Assim é também com o Natal.
Desafio o leitor a perguntar no seu agregado familiar e grupo de amigos “se tivesses de descrever o Natal a uma pessoa de outra cultura como descreverias?”.
Eu já o fiz. Faça-o também. Mas faça-o com curiosidade. Evite o enviesamento da resposta para aquilo que gostaríamos de ter como resposta. Procure manter-se isento de julgamento. Acredito que na disparidade das respostas perceberá de forma esclarecedora os tempos em que vivemos.
Se, por um lado, as crianças referem que Natal é receber presentes, os seus Pais falam das comidas e listas de compras que têm de fazer. E até aqui é diferente. Não é uma questão de preconceito. É factual. Quantos jantares de empresas dinamizados por mulheres incluem troca de presentes ao passo que os organizados em equipas masculinas são sobre onde comer e beber indiscriminadamente?
Importa conhecermos a atual forma de como se vive o Natal.
Gostamos de acreditar que Natal é amor, nada tem que haver com prendas. Mas quantos de nós temos a coragem de não consumir o que não necessitamos nesta época?
Falamos de cada jantar de Natal como exceção, mas quantas ceias de Natal fazemos até à ceia de 24?
Falamos de Natal como o nascimento do menino Jesus, mas quem ainda faz o presépio sem o menino ou vai à missa do galo?
Se retirar ao Natal os filtros que o caracterizam, o que fica do Natal em sua casa? Reinará a Paz e amor numa mesa com um cozido e um bolo rei? Triunfará o tempo em família num jogo de tabuleiro ou numa caminhada depois do almoço, sem presentes em redor da árvore?
Mergulhados nesta azáfama social e consumismo mercantilista deixamo-nos arrastar por valores que não partilhamos, mas contra os quais não temos força para lutar e acabamos por viver o impacto negativo do Natal na saúde física, mental e emocional.
Mas é possível fazer diferente se estivermos conscientes da “fotografia” e dos “filtros”.
Excesso Alimentar e Saúde Física
Uma das principais tradições natalícias é o banquete da ceia, acompanhado de pratos e doces típicos da época. Contudo, esse excesso alimentar pode trazer sérias consequências à saúde física. O consumo exagerado de calorias, açúcares e gorduras ao longo das festas pode provocar aumento de peso, descontrolo metabólico, e agravar condições como hipertensão e diabetes.
Até porque sabemos bem que a ceia e o almoço de Natal não se resumem às refeições do dia 24 e 25. A temporada de excessos começa semanas antes e prolonga-se até ao Ano Novo. Alternativas mais saudáveis não precisam eliminar o sabor das celebrações, mas promover a moderação e o retorno à simplicidade. Escolher um prato principal típico, acompanhado por uma seleção reduzida de doces tradicionais, permite manter o espírito natalício sem sobrecarregar o corpo. Adotar porções controladas e evitar repetições também ajuda a desfrutar da festa sem culpa.
Além disso, é importante considerar a prática de atividades físicas antes e depois das celebrações. Uma caminhada em família após a ceia ou atividades leves podem ajudar na digestão e reduzir o impacto dos excessos.
O Excesso de Presentes e a Saúde Mental
Um dos maiores desafios emocionais do Natal envolve a pressão de encontrar o presente perfeito. A sociedade de consumo incentiva um ciclo onde muitas pessoas sentem a necessidade de comprar presentes que muitas vezes não são essenciais. Isso cria um desgaste mental significativo para quem faz a lista e busca incessantemente o “presente ideal” — algo que o outro não precisa, mas que deve ser escolhido como se fosse essencial.
Essa corrida aos presentes afeta a saúde mental, gerando ansiedade, stress e até frustração. Além disso, o impacto financeiro dessa pressão não pode ser ignorado. Muitos comprometem as suas finanças em prol de atender expectativas sociais e familiares, criando um ciclo de dívidas que persiste muito além das festas.
Repensar o ato de presentear pode trazer mais leveza à época. Valorizar presentes simples e com significado emocional, ou mesmo alternativas como o “presente de experiência” (oferecer uma experiência em vez de um objeto), pode reduzir a carga mental e emocional. Focar no valor do tempo e do afeto pode transformar o Natal numa oportunidade de fortalecimento de laços, sem o peso do consumismo.
Encontros Familiares e Gestão Emocional
Os encontros familiares de Natal podem ser um ponto de tensão para muitas pessoas. Embora o reencontro com parentes seja uma oportunidade de partilha, também pode despertar emoções intensas, sobretudo em famílias onde existem desentendimentos ou distanciamentos ao longo do ano. Esse tipo de reunião, que muitas vezes parece obrigatória, pode gerar um grande desgaste emocional.
Famílias com diferentes visões de mundo, crenças e dinâmicas de poder podem acabar em discussões ou situações desconfortáveis. Em muitos casos, o afastamento durante o ano é o que permite a manutenção de certa paz emocional, e o Natal obriga a um confronto que nem sempre é bem-vindo. A expectativa de harmonia familiar pode não corresponder à realidade, resultando em sentimentos de frustração ou tristeza.
A chave para lidar com esses momentos é desenvolver uma boa gestão emocional. Preparar-se mentalmente para esses encontros, reconhecer limites e praticar a empatia podem ajudar a lidar com as tensões familiares. Aceitar que nem todos os encontros serão perfeitos e focar no que é realmente importante — a presença e a partilha de momentos — pode aliviar parte da pressão emocional.
Em contraste com o espírito do Natal passado, quando o verdadeiro sentido da época era a união familiar, a partilha e a prosperidade que nasciam da força coletiva, o Natal presente parece estar cada vez mais envolto em consumismo, gula e vaidade. No passado, dois dias bastavam para que os desafios da vida desaparecessem com um abraço sincero, para que a fome fosse esquecida ao redor de uma mesa partilhada, e para que, mesmo na escassez, a presença de um “imprevisto” — um gesto inesperado de bondade — reacendesse a chama da esperança. Aquele espírito genuíno celebrava a vida na sua plenitude, fortalecendo laços humanos e revitalizando as reservas emocionais de todos.
Hoje, porém, essa essência parece desvanecer-se, à medida que os excessos materiais e a superficialidade se avançam a valores fundamentais e condicionam a capacidade de viver de forma plena. A busca incessante por bens, a sobrecarga alimentar e a vaidade exacerbada esgotam as reservas humanas, fustigando a saúde física e emocional que outrora florescia no simples ato de estarmos juntos.
O Natal de outrora lembrava-nos que a verdadeira prosperidade está na partilha, no afeto e na esperança; ao resgatarmos esse espírito, podemos restituir à época o poder de restaurar não apenas a saúde individual, mas também a nossa capacidade de viver com propósito.
Boas festas
Por Lara Lima
Fundadora e Diretora do Método BmQ
Professora de Yoga (Patanjali)
Terapeuta Ayurveda
Palestrante
Coautora do livro AyurKitchen – Alimentação Consciente
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