O Natal não é um tempo de paz e amor para as vítimas de Violência Emocional e Psicológica
Com a segunda vaga de intensificação global do coronavírus (covid-19), medidas de mitigação e contenção são fundamentais para proteger a saúde pública. O reforço do distanciamento social e isolamento exige às famílias alterações por vezes acentuadas nas suas dinâmicas relacionais e familiares, podendo conduzir ao aparecimento de novos conflitos e/ou à intensificação de conflitos pré existentes.
Se por um lado estas medidas são eficazes no controlo da propagação do vírus, por outro poderão resultar em nefastas consequências económicas, sociais e psicológicas, catalisadoras de elevada tensão e stress, que podem conduzir a um aumento significativo da violência e negligência familiar. Crianças, pessoas com deficiência, idosos e pessoas dependentes de outras com quem coabitam apresentam um risco acrescido de serem vítimas de violência emocional, física, sexual e doméstica.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, verificou-se durante o confinamento um aumento de 60% dos casos de violência doméstica, e em Portugal a rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica referiu uma intensificação de cerca de 70% sobre os casos já existentes.
Muitas vezes associamos o termo violência a agressão física, porém as relações podem ser violentas mesmo na ausência de uma componente física. Toda a relação na qual uma pessoa intencionalmente obriga outra a agir contra o seu desejo ou vontade, seja por meio da força física, intimidação, ameaça, controlo ou manipulação, é violência. Todas as formas de comportamento abusivo são graves e impactam negativamente no bem-estar da pessoa, não raras vezes com consequências duradouras devastadoras para a sua saúde mental e bem-estar geral.
A violência emocional e psicológica engloba um conjunto de ações verbais ou não verbais, isoladas ou repetitivas, que intendem intencionalmente causar dano e sofrimento psicológico na vítima.
Algumas Características Associadas à Violência Emocional e Psicológica
Abuso verbal – chamar nomes ofensivos, denegrir ou embaraçar, ex. «És burra/o; não serves para nada».
Difamação – difamar ou envergonhar a vítima, ex. acusar de infidelidade, contar os seus segredos a terceiros.
Culpabilização – culpar a vítima pelo comportamento violento, ex. «A culpa de estarmos assim é tua – porque é que nos fazes isto?»
Crítica – criticar negativamente todas ou quase todas as características da vítima, ex. «Não tens jeito para nada, não vale a pena – fazes tudo errado».
Desvalorização – desconsiderar os seus desejos e necessidades, menosprezar as suas opiniões, impor à vítima que pense como o/a agressor/a, acusando-o/a de egoísmo por este/a não pensar ou sentir da mesma forma.
Manipulação – utilizar informações que distorcem a realidade e manipulam a situação do comportamento abusivo, causando confusão e insegurança na vítima, muitas vezes desvalorizando o abuso ocorrido, ex. «tu sabes que eu não te faria isso, tudo isto poderia ter sido evitado se tu …, eu quero o melhor para nós», ameaçar terminar a relação
Ameaça – ameaçar causar dano ou prejuízo na vítima ou em pessoas significativas para ela, ex. denunciar algo que a vítima vê como comprometedor ou embaraçoso, ameaçar maltratar filhos ou outras figuras importantes.
Controlo – Controlo financeiro, controlo dos horários, da interação social, ex. exigir justificação de gastos, monitorizar quilómetros do carro, controlar as interações sociais da vítima – onde foi, com quem esteve, telefonar frequentemente – inicialmente pode parecer um acto de carinho, mas rapidamente se transforma num comportamento possessivo e controlador cujo objetivo é vigiar todos os movimentos da pessoa.
Privação – utilizar pretextos para impedir ou limitar o contacto da vítima com familiares ou amigos, impedir o acesso a informação, documentação pessoal.
Revistar – exigir acesso a objectos pessoais da vítima, ex. acesso telemóvel, computador, agenda, redes sociais.
Generalizar e justificar o comportamento abusivo – ex. «Se eu não me preocupasse contigo era mau sinal, reajo assim porque gosto de ti, importo-me porque quero o melhor para nós».
De todos os tipos de violência, a emocional e psicológica talvez seja a mais difícil de identificar, dadas as suas características subjectivas. Por vezes a vítima está de tal forma mergulhada na bolha manipuladora que envolve a relação, que chega a duvidar e questionar os seus próprios sentimentos e pensamentos, muitas vezes desculpabilizando e justificando as atitudes e comportamentos violentos do/a agressor/a, atribuindo a si, às suas características psicológicas e comportamentais a culpa pelo comportamento violento. Frequentemente a vítima acredita que os comportamentos disfuncionais e violentos do agressor são uma manifestação de cuidado, proteção e amor. Esta é uma consequência que contribui para que as pessoas se mantenham ao longo do tempo em relações de abuso, negligência e violência.
As pessoas que experienciam violência emocional e psicológica são susceptíveis de vir a desenvolver problemas de saúde psicológica, por exemplo perturbações de ansiedade, depressão, perturbação do comportamento alimentar, comportamentos auto lesivos, e, no limite, suicídio.
Alguns sentimentos experienciados pela pessoa vítima de violência emocional e psicológica:
• Baixa autoconfiança e baixa autoestima
• Reduzida autonomia
• Dificuldade em tomar decisões
• Insegurança, medo e solidão
• Fragilidade e vulnerabilidade
• Sente-se desprotegida e desamparada
• Presas na relação, sentida como sem saída possível
• Afetivamente dependentes da relação disfuncional e violenta
• Culpabilização
• Ansiosas e hipervigilantes
• Preocupação
• Frustração e resignação
• Conformismo
• Crê que nada nem ninguém a poderá ajudar
• Que não é merecedora de amor
• Confusão e dificuldade de concentração
• Receio e evitamento da interação social
• Desmotivação
• Injustiçada
• Dificuldades em dormir, insónias, pesadelos
• Sem esperança
• Desespero
Reconheça os comportamentos abusivos ou violentos, não os ignore nem desvalorize, todo o comportamento abusivo é inaceitável!
Aceite que o agressor/a é sempre o responsável pelo comportamento abusivo e violento, a culpa não é sua!
Você não é a causa do comportamento abusivo!
Você merece:
• Ser tratada/o com dignidade e respeito
• Ter liberdade para tomar decisões e fazer escolhas
• Viver em segurança
• Ter uma vida alegre e feliz
Você não está sozinha/o, existem recursos na comunidade especializados e disponíveis para ajudar!
Partilhe com alguém o que sente e o que lhe está a acontecer, peça ajuda, ela existe!
Um/a psicólogo/a pode ajudar!
Por Susana Luz
Psicóloga Clínica
Tel. 935 257 418