“Não prescindo dos pratos tradicionais de Trás-os-Montes”

Presidente do Conselho Geral da Universidade Técnica de Lisboa e da Academia das Ciências de Lisboa, Adriano Moreira é, sem dúvida, uma das figuras mais marcantes do país dos séculos XX e XXI. Nascido no dia 6 de setembro
de 1922, destacou-se pelo seu percurso académico (formado em Direito), mas também pela sua intervenção no mundo da política.
Adriano Moreira, cuja presença nos ecrãs televisivos, enquanto comentador, é frequente, aceitou responder a algumas questões colocadas pela revista Saúde Actual, a propósito do evento realizado no início de dezembro 2012: Portugal Maior / Envelhecimento
Ativo.

Saúde Actual: Há muitos anos que os
portugueses acompanham a sua atividade
como político, advogado, sociólogo,
professor e comentador televisivo.
Tem sido um personagem marcante do
cenário nacional e são muitos os que admiram
a sua vivacidade e energia intelectual.
Tem cuidados específicos com a sua
alimentação? E quais?
Adriano Moreira: Não sou um bom
garfo, e mantenho uma sobriedade natural
no que respeita à alimentação.
SA: Como aliar uma alimentação racional
com a alimentação tradicional que,
no nosso país, é tão diversificada e apreciada?
AM: Julgo que a resposta anterior é suficiente.
Mas acrescento que não prescindo
dos pratos tradicionais de Trás-os-
-Montes. Todos exigem moderação.
SA: Considera importante o recurso a
atividades que visam a manutenção de
um corpo mais equilibrado e saudável,

nomeadamente massagens e a prática
desportiva? Ao longo da sua vida, tem
praticado alguma destas atividades?
AM: O único exercício que sempre pratiquei
são as caminhadas a pé. Ficou-me
do tempo em que a ida e volta a casa,
com quilómetros de distâncias, foi a maneira
ao meu dispor desde o primeiro
ano do Liceu (de que tenho saudades)
e depois para a Faculdade de Direito de
Lisboa.
SA: O que é para si o Envelhecimento
Ativo?
AM: É manter o interesse pela mudança
dos saberes e dos tempos, na esperança
de que a capacidade de entender nos
acompanhe. Sobretudo, o entendimento
entre as gerações.
SA: Qual a importância da manutenção
do equilíbrio e defesa do meio ambiente
e que opinião tem sobre a depredação a
que se tem assistido de diversos recursos
ambientais?

AM: É urgente acompanhar, com informação
exata, as mudanças, tendo sobretudo
em vista o que é a abusiva exploração
dos recursos não renováveis da Terra
que é a casa comum dos vivos.
SA: Esteve presente num encontro com
o Dalai Lama em que estiveram em cima
da mesa questões relacionadas com os
Direitos Humanos. Qual a sua opinião sobre
o Dalai Lama e sobre as mensagens
que, incansavelmente, transmite ao Mundo?
AM: É um homem que vale a pena ouvir,
sobretudo porque é cada vez mais urgente
o que o Padre Carreira das Neves
chamou – Uma viagem pelas religiões.
Tem aumentado o número dos que recusam
filiação nas Igrejas institucionalizadas,
mas aumenta o apelo à transcendência.
O que seria desejável, se possível,
seria aprofundar as investigações sobre
um possível paradigma comum para a
ética da organização mundial.
SA: Qual a sua visão sobre o atual contexto
económico-social?
AM: É extremamente preocupante, e
considero que a negação do Estado Social,
que é uma principiologia mais do
que um imperativo constitucional, equivale
a deitar a esperança pela janela.
Sempre o vi como uma convergência da
Doutrina Social da Igreja com o Socialismo
Democrático. Não é caridade, faz parte
da Declaração de Deveres, proposta
do ‘Interaction Council,’ em 1 de setembro
de 1997, que nunca foi acolhida pelos
Estados.
SA: Teve um papel importante, enquanto
Ministro do Ultramar, com os agora
denominados países africanos de expressão
oficial portuguesa. Já que conhece
bem essa realidade, considera que seria
importante privilegiar a cooperação económica
com esses mesmos países?
AM: Julgo que Portugal tem duas janelas
de liberdade: o Mar, com a Plataforma
Continental que não devemos descurar,
sobretudo sabendo que a Comissão Europeia
pretende definir o Mar Europeu,
o que não pode deixar de lembrar acontecimentos
como o Ultimatum de 1890,
sobretudo porque terra que não se pisa

e cultiva, e mar que não se navega, deixarão
facilmente de ser nossos. Têm de
ser nossos. A outra janela é a CPLP, que
também exige maior atenção, porque,
no que nos respeita, ressuscita o projeto
Euráfrica. A Europa também está necessitada
de que os países, pelo menos da sua
frente marítima atlântica, retomem esse
velho e esquecido projeto.
SA: O que poderá ser, na sua opinião, um
Mundo ideal?
AM: Não há uma definição segura de
mundo ideal. Mas é certamente um caminho
começar por ter um Conceito
Estratégico Nacional, que não foi ainda
formulado.

Nasceu perto de Macedo de Cavaleiros, licenciou-se em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1944, e fez o doutoramento na Universidade Complutense de Madrid.
Começou por ser simpatizante da Oposição Democrática, durante o período fascista, mas com o tempo aproximou-se do regime, embora mantivesse relações de amizade com históricos oposicionistas.
Foi chamado por Salazar para assumir o cargo de subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, em 1959, chegando a ministro do Ultramar, dois anos depois. Procurou estabelecer uma política reformista, abolindo o denominado Estatuto do Indigenato, que impedia a quase totalidade das populações das então colónias africanas de adquirir a nacionalidade portuguesa e de usufruir do direito à educação. Polémica foi também a assinatura da portaria que impediu reabrir o Campo do Tarrafal, em Cabo Verde, destinado aos presos dos movimentos de libertação das colónias. Acabou por demitir-se e só após o 25 de Abril voltou à vida política. Foi presidente do CDS, deputado e vice-presidente na Assembleia da República.

Por: Ana Fonseca David